terça-feira, 19 de março de 2013

MANDIOCA EM MESA DE RICO

Um detalhe que eu não sabia é que os ricos esnobes escondem das outras pessoas, que eles comem e gostam de salada de chuchu, ovo frito e, principalmente, de mandioca, o nosso velho e nutritivo aipim. Descobri essa curiosidade, noite dessas, quando um amigo muito rico, milionário mesmo, me convidou para ir em sua casa jantar e beber uns vinhos que ele recém havia adquirido. 

Apertei a campainha, abriram a porta, e vi, logo que entrei, uma das empregadas da família, a Esmeralda, retirar da mesa, apressada, travessas e tigelas com essas iguarias e ir correndo para a cozinha. 

Claro, restaram paletas de ovelha, costelinhas de javali, peitos e coxas de faisão, perdizes vindas da argentina, arroz e grega, tenros aspargos, pêssegos gigantes em calda, damascos caramelizados e algumas frescuras esquisitas que agora já esqueci. E vinhos tintos de várias procedências. 

Ficamos esfuziantes como sempre pelo reencontro, pelo fortalecimento de uma antiga e verdadeira amizade, nascida nos tempos de guri. Amigo é amigo, não importa se está na lona ou nas nuvens, querendo comprar um pedaço do céu. 

Mas eu vi, juro que vi, que a empregada cumprindo ordens, fugiu cozinha adentro para esconder aqueles pratos que eu também tanto aprecio. 

Bem. Sentei à mesa, conversamos generalidades, falamos da vida antiga e da atual, bebemos vinhos e falamos deles. Eu prefiro bebê-los do que falar indefinidamente de safras, cepas, fator terral e outras cositas mais. Assuntos que agora viraram moda. Hoje, qualquer um que abre uma garrafa de vinho faz um longo e chato discurso a respeito, forçando em se mostrar um expert no assunto, quando na verdade se tornam uns chatonólogos ou enólogochatos, como queiram. 

Este aqui, me disse o Jonas, tem que ser servido exatamente na temperatura tal, este outro, a tantos graus. E por aí foi desfilando o seu conhecimento sobre as maneiras corretas de desgustação e harmonização daquelas bebidas especiais. 

Eu já estava aborrecido com a conversa do meu amigo, então resolvi reavivar na sua memória, que eu apreciava todos os tintos, fosse, cabernet, merlot, tannat, malbec e outros mais renomados, não importando a suas idades, e se eram ou não donos de passaporte, mas desde que estivessem bem gelados. 

Pronto. Arrumei uma guerra com o meu velho e querido amigo. Levantou-se da cabeceira e proferiu só para mim, com os seus familiares e outros convidados assistindo, um violento sermão contra, o meu sacrilégio, que feria na essência tão nobre bebida: “ - isso é um pecado! Um pecado Juquita! Uma estupidez!” Me senti quase um criminoso, uma alma imoral, transgressora de tão antigos e imutáveis preceitos. Todos me olharam com olhos carrascos, reprovadores, a me condenar ao quinto dos infernos, por gostar de vinho tinto bem gelado. 

Fiquei quieto saboreando aquelas carnes deliciosas com aquele arroz exótico vindo não sei de onde. Foi então que coloquei em prática o grande crime da noite. Chamei a Esmeralda e pedi para ela colocar no freezer, um cabernet francês de raro pedigree, para satisfazer o meu estranho paladar. 

Credo! De novo, levei do meu amigo outro corretivo que quase me matou. Ele ergueu-se outra vez da cabeceira e com o dedo em riste me chamou de grosso, dono de um primitivo mau gosto, que eu não era digno daqueles vinhos especialmente escolhidos para aquela noite. Que eu estava profanando os tradicionais e refinados ensinamentos sobre a milenar arte de beber vinho. Terminou dizendo que eu merecia tomar vinho tinhoso de garrafão, desses usados no preparo de sagu e quentão. 

Aí, parei de comer as carnes, respirei fundo e disse, assim, meio assim, meio amolecido para o meu amigo rico e para a sua esposa : “ - o jantar está um espetáculo. Corretíssimo! Agora, para atingir a perfeição, só está faltando uma salada de chuchu, ovos fritos e uns pedaços de mandioca. 

Se olharam, as mãos ficaram nervosas, engoliram um pedaço de nada em seco, e a mulher dele fez cara de nojo, colocou as mãos na testa, e me disse, simulando horror: “ - Juquita! Não vais me dizer que tu gostas de aipim, ovos fritos e salada de chuchu?!” 

“ - Adoro!” Respondi. 

“ - Nossa! Que mau gosto!” 

Deu um silêncio desgraçado. Os outros convidados foram embora. Criou-se um baita incômodo com a história da mandioca, do chuchu e dos ovos fritos. O meu amigo foi no banheiro, a mulher com os três filhos adultos subiram as escadas da mansão, simulando desconforto. 

Foi quando aproveitei aquele intervalo, fui até a cozinha, abri o freezer, retirei o cabernet francês bem gelado e perguntei para a empregada onde estavam as travessas e tigelas com mandioca, chuchu e ovos fritos, que antes, com a minha chegada, ela sequestrara da mesa. 

“ - Ali!” Me mostrou o lugar, indicando com a ponta do queixo. 

Abri a garrafa, servi em dois copos grandes, desses de tomar água, e dei um deles, cheio até a borda para a Esmeralda. 

Peguei as travessas e as levei para a mesa na sala de jantar. O meu amigo e a sua esposa, com a concordância dos filhos me recomendaram com ares de refinamento: “ - Juquita, por favor não coma isso. Isso é comida só para os empregados da casa. Isso é comida que a gente não come aqui em casa!” 

Depois da sétima garrafa de vinho faltou ovos fritos, salada de chuchu e mandioca. Até sobrou um pouco de ovelha e faisão. 

Já estava ficando muito tarde e resolvi ir embora. Antes, a Esmeralda me chamou na porta da cozinha, só para me dizer: “ - Seu Juquita! Só quem não tem vergonha de comer salada de chuchu, ovo frito, mandioca e beber vinho tinto bem gelado, consegue ser feliz!” 

Disse para ela que sim, e fui porta afora com meia garrafa daquele francês bem gelado na mão, sem nem saber direito para onde.