sábado, 3 de maio de 2014

A MAIS LINDA PROFISSÃO DO MUNDO

“ - Esta é a mais linda e melhor profissão do mundo!” Era o que estava dizendo, com radiante entusiasmo, a Aiá para sua filha Biná. “ - Está no nosso sangue. É uma tradição de família que ao longo do tempo foi passando de mãe para filha. E com muito orgulho, meu amor, que hoje vejo você, pronta para ingressar, tão jovem e bela, nessa nobre atividade.

“ - Veja bem, minha filha!”, falou a Aiá para a Biná, “ - tua bisavó, avó e eu, mais as tuas tias e primas, tiramos o nosso sustento, nossas boas roupas, viagens, adquirimos nossas residências e demais imóveis e pagamos nossos luxos, com o exercício honesto e honrado dessa profissão maravilhosa.”

Continuou a Aiá: “ - nesta cidade abençoada temos como clientes as pessoas mais ilustres: grandes empresários, profissionais liberais, desembargadores, políticos, pastores e padres, enfim, querida, toda a fina flor da sociedade. Nossa fama ultrapassou fronteiras. Recebemos com frequência gente do exterior, principalmente de fala espanhola.”

Ainda a Aiá: “ - escuta, amada filha minha: simpatia, charme, classe, gentileza, competência, sigilo e satisfação total aos clientes são as nossas armas. E não esqueça que reputação, credibilidade e tradição, são as nossas bandeiras. Nunca, em tempo algum, nenhuma de nós denegriu o santo nome do nosso ofício.

A Aiá tinha mais o que dizer: “ - somos um patrimônio deste lugar. Somos motivo de comentários em todas as rodas sociais. Quando alguém se refere à nossa profissão, inevitavelmente precisa lembrar que somos as melhores. Isso se chama renome, bebezinho!”

Mais alguns conselhos, Biná: “ - jamais discuta com um cliente. Mostra sempre, delicadeza, educação, alegria e toda a tua beleza. Procura encantar a todos com os teus dotes naturais. Seja cordial, porém demonstre firmeza quando necessário. Nada de palavrões e de gargalhadas ruidosas; apenas sorria. Tenha gestos comedidos, sem exageros na postura e evita anedotas vulgares. Procura andar, parar e sentar com elegância, tudo conforme ensinam os manuais de etiqueta. E nunca pergunte sobre a vida particular dos clientes. Quando eles falarem de si, demonstre atenção; olhe a pessoa nos olhos, faça ela pensar que é o ser mais importe que existe. Saber ouvir é um detalhe muito importante no nosso trabalho: valoriza quem fala, enobrece quem ouve. E seja decidida e inflexível na cobrança dos teus honorários. Se alguém pedir desconto, diga com graça, das tuas competências e habilidades, e não ceda. Terminado o teu serviço, não mais permita intimidades demasiadas; um certo distanciamento valoriza tua estrela. Ah, meu anjo, ia me esquecendo do principal: nunca, jamais, em hipótese alguma te apaixones por um cliente, pois assim acontecendo fugirás das regras da nossa cartilha comportamental e serás uma mulher comum nesta vida.

A noite estava fresca, e a claridade da lua cheia entrava através da janela de uma das suítes no andar superior da mansão, onde estavam mãe e filha. Os luxuosos automóveis já lotavam o amplo estacionamento. “ - Pronta, minha amada?” Perguntou a Aiá, ajeitando uma rosa vermelha na farta cabeleira loira da Biná: “ -vamos, descer, que as meninas não estão dando conta de tanto movimento, afinal, hoje é a noite da tua iniciação na mais linda e melhor profissão do mundo. Vamos, minha mimosa?!”

Desceram a ampla escadaria de mármore em forma de meia-lua, formada com fina tapeçaria de cor idêntica da flor presa nos cabelos da moça. No meio dos degraus foram notadas, e sob os gritos de viva, a Biná foi imensamente aplaudida. Já no salão todos queriam vê-la de perto, tocar nem que fosse nas suas mãos douradas. Estavam diante da donzela mais bonita da cidade, que até então esteve estudando em outra capital, internada num colégio de freiras.

Os destilados adultos, puros de nascença, e os champanhes com certidão de nascimento facilitavam a descontração. O conjunto tocava um convidativo bolero, música que emprestava um leve fundo romântico aquela ambientação. Na pequena pista circular alguns pares recém-formados dançavam de rosto colado. Os lustres de cristal enfeitavam o ar com lâmpadas multicoloridas. Os tapetes importados eram pisados por sapatos da melhor raça e por sandálias cravejadas com pedrarias. Os homens vestiam ternos cortados por tesouras afamadas, e as mulheres, tal madames em festa de gala, encantavam aquilo tudo. Mas a Biná era o diamante mais puro, que cintilava luz e brilho para dentro dos olhos e dos espíritos de todos os presentes.

O desembargador Noronha aproveitando um descuido da concorrência se aproximou todo galante, ficou na ponta dos pés e disse baixinho no ouvido da Biná, que lhe daria um cheque assinado em branco; que ela preenchesse com a quantia que quisesse. E lhe forneceu tentador e irrecusável parâmetro: que podia ter o valor de um novo e bom carro importado, ou mais; que ele seria liberal e compreensivo quanto ao preenchimento.

Subiram os dois a escadaria atingidos pelos olhares ciumentos dos que ficaram lá embaixo. A suíte da Biná estava perfumada com o suave aroma que exalava de um vaso repleto de rosas brancas que adornava o toucador.

“ - Toda importância recebida é pouca. Que não existe preço caro; e em circunstância nenhuma o pagamento é muito para quem reluz no seu ofício!” - Falou a Aiá na tarde do dia seguinte, sentada ao lado da cama da filha, com o cheque do desembargar fixo entre os dedos.

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