sábado, 10 de maio de 2014

AS MOCINHAS DOS ARRABALDES

Por ser um incorrigível observador e um tanto piegas diante dos padecimentos humanos, me dá uma dor nas segundas-feiras, dessas mocinhas pobres dos arrabaldes. Sinto uma angústia ao vê-las fazendo fila para preencher uma vaga de balconista, nessas lojinhas de quinquilharias do centro da cidade. Fico com medo que elas não consigam o emprego. E experimento um sentimento ruim, tanto pela escolhida quanto pelas rejeitadas.

Paro e olho pobrezas e me vem um nó na garganta. Seus vestidinhos desbotados bem passadinhos. Seus sapatinhos esfregados na última hora com água e sabão. Suas blusinhas emprestadas da vizinha. Suas pinturinhas no rosto de uma maquiagem barata e um batom que não reforça contentamento nenhum. Seus cabelos ainda úmidos penteados com pente grosso. E umas pulseirinhas e uns aneizinhos e uns brinquinhos com umas pedrinhas antigas, sem brilho. Disfarces miseráveis que não escondem a origem e o despreparo de todas elas.

Noto que seus semblantes são parecidos. Filhos da mesma penúria. Desmaiados do mesmo mal. Vítimas da mesma dor. E, na fila, na calçada, olham para cima, para o nada; nem notam a criança suja que passa pedindo uns trocados. Parecem até vazias, sem esperança; que tudo nesta vida, tanto faz. Se perderem o empreguinho, não perderam nada, porque tudo já está perdido. Estarem ali, é como se esperassem, indolentes, uma esmola, um prato frio de uma comida qualquer.

Uma delas que demonstra vergonha por ter nascido, olha fixo para os pés, com os ombros curvados e os braços presos nas costas. Essa, já perdeu a coragem de olhar o mundo e as outras pessoas. Não mais se encanta com o milagre da flor que nasce. Nem sequer se interessa com suas concorrentes ao empreguinho.

Continuo fixado nela. É bonitinha, até. Vinte anos, se tanto, e já tão derrotada, tão morta, tão desesperançada; tão assim, indiferente com sua causa pessoal, prestes a desistir totalmente de si. Está naquela fila, só por estar, cumprindo uma obrigação ou uma ordem. Decerto, em casa, sua mãe lhe disse: “ - Põe uma roupinha, te arruma guria, e vai ser balconista de lojinha nesta vida. Vai, guria!”

Prefiro ver revolta e indignação ou alegria na atitude das pessoas. Mas quando elas, dizendo melhor, essas mocinhas, escandalosamente jovens, se mostram resignadas com a falta de sorte, renunciando os belos sonhos, apáticas, adoecidas, com a desilusão marcando forte suas expressões, quase morro junto com elas.

Eu, ali, como um espião da vida alheia, amargurado mais do que devia, senti uma vontade de gritar, de discursar para elas todas: “ - olhem gurias, olhem a vida em volta. Olhem as outras moças que passam e fiquem com inveja delas. E busquem nessa inveja a força para saírem de onde estão. Ou fiquem, se agarrem neste empreguinho, porém, não para sempre. Trabalhem durante o dia, e estudem à noite. Cansem, chorem de cansaço, mas não desistam jamais. Ah, e não sejam mães antes do tempo. Porque depois vem a recompensa; se vai embora a longa noite e o sol volta a brilhar.”

pensei e não disse nada, e me fui rua fora. Desiludido, sentindo que a minha alma estava igual a delas, derrota. Porque sei, que aquelas mocinhas, em todas as demais segundas-feiras de suas vidas, cada vez, mais e mais, vão estar sempre numa fila, esperando, como se fosse, um pratinho de sopa fria.

Sempre foi assim, desde o início dos tempos. No entanto, não podemos esquecer, que o ser humano ás vezes é maravilhoso e também, surpreendente. De vez em quando, uma mocinha dessas que está numa fila, sai do buraco, e dá um pulo para cima. Mais uma estrela no céu!

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