sábado, 31 de maio de 2014

SOBRANCELHAS DOURADAS

E ela que parecia uma flor aberta, solta, dançando faceira no ar, atravessou a rua sorrindo: “ – moço, sou nova neste lugar. Estou perdida. Não conheço ninguém por aqui. Nem sei o nome desta rua. Trocou de calçada de braços abertos, levantados como se fossem asas, assim, do jeito que fazem os amigos quando faz tempo que não se encontram. Veio, e veio decidida e se abraçou inteira no Joca que ficou imóvel tal um poste fincado no chão. Aquele abraço ficou durando mais tempo, do tempo que duram os abraços. Quando deu por si, o Joca também estava abraçado na guria. E era tão bonita, tão frágil, tão carente, tão cheirosa, com a pele tão macia, com os cabelos tão finos que voavam por iniciativa própria sem um vento que não existia. E possuía as sobrancelhas tão espessas e douradas e tão arqueadas que tornava exótica a sua beleza, fazendo um belo conjunto com seus lindos olhos azuis. Dois detalhes que enriqueciam mais e mais, aquele rosto de anjo despencado lá das alturas do céu.

Então ela disse com a voz fininha, aveludada: “ - sou a Sheila e estou tão sozinha que só me resta você. Me dê um tempo, porque agora só vai sair da minha boca, palavras que não vem do coração. Me leva, deixa eu dormir um pouco e logo saberás, que sou um presente enviado para alegrar a tua vida.” E continuou: “ – não me julgues por hoje. Apenas acredite em mim. É tudo que eu preciso, e você também. Nosso encontro não é uma mera obra do acaso. É o destino, o bom destino batendo em nossas almas. Vamos, me tire daqui! Necessito descansar!

Tinha a pele fina e muito clara. As veias azuis das mãos e dos braços se mostravam salientes, agitadas, denunciando a olhos vistos o sangue que por elas corria. Os cabelos louríssimos misturados com mechas quase brancas, longos, até pouco abaixo dos ombros, mais o modo de olhar, meio que com os olhos fechados, e uma tatuagem em forma de cruz ao lado do pescoço, davam-lhe um certo jeito de mistério. E a boca, que mesmo quando séria parecia estar sorrindo, trazia para os seus lábios de um tom vivo rosado, tal poderosa sensualidade, que provocou nos instintos do Joca, irresistível vontade de beija-la. Segurou a Sheila pela cintura, andaram duas quadras dentro da noite que já amadurecia, e entrou no prédio, abriu a porta do apartamento e tirou duas cervejas da geladeira e preparou um sanduíche para ela.

Depois ela tomou um banho quente e deitou nua no amplo sofá da sala. E dormiu com o corpo virado para a janela por onde brilhava a lua cheia, que passava enfeitando a escuridão. Respirava macio, tão suave que mal movimentava o peito com o ar que chegava e saía dos seus pulmões. Parecia a estátua viva da deusa da beleza dormindo. O Joca sentou sobre o tapete na frente do sofá, com as pernas dobradas em pose de meditação e pensou em voz alta: “ – Nooossa Senhora!! Isto que estou vendo é a mais pura imagem da criação de Deus. É a imagem da perfeição. Se Deus fosse mulher, esta mulher seria Deus.

Olhou os dedinhos dos pés, frutinhas que dava vontade de comer. Viu as pernas brancas tal uma nuvem recém-nascida, lisas e torneadas e quase passou as mãos. Fixou os olhos no ventre firme ainda não inaugurado e sentiu a força que vem da terra virgem. Notou os seios duros e os mamilos arrepiados e quis ser criança de colo outra vez. Por fim, não mais resistiu permanecer naquela contemplação e passou os dedos repetidas vezes na fenda sagrada que agita o mundo. Ela abriu levemente as coxas e se ajeitou inteirinha à sua disposição e ele a beijou inteirinha, desde os dedinho dos pés até o final da testa. A seguir retornou ao início, e demorou fazendo assim, agora com ela participando, se oferecendo inteira para ele. Depois ela segurou firme a cabeça do Joca, suspirou fundo e gemeu bonito de escutar. Prosseguindo, ele deitou por cima dela e se esgotaram de tanto fazer amor. No melhor momento, desta vez ela deu longo grito e mordeu, ferindo o lábio inferior do rapaz. Suados caíram em profundo sono.

Final da manhã o Joca acordou sozinho no sofá. Procurou a Sheila no quarto, no banheiro, na cozinha, na área de serviço, dentro do ropeiro, atrás das cortinas; nada da guria. Revirou os bolsos das calças atrás das carteira com o dinheiro que tinha, não estava, nem o relógio, nem a aliança de noivado que muito pouco usava, nem os dois celulares, nem o computador portátil, nem o livro do Quintana e aquele outro do Bukowski, nem o rascunho do último conto que estava escrevendo. Desaparecera também toda uma quantia de pequenos objetos de valor, mais um soldadinho de chumbo de quando era guri, e a coleção de moedas e uma fotografia na noiva.

Antes de sair para a rua, leu, no lado interno da porta escrito com lápis de sobrancelhas dourado, em letras enormes: “ – tchau, otário.”

Um comentário:

  1. Olá primo, gostei do conto SOBRANCELHAS DOURADAS,e feliz por ter te encontrado Face,agora vou seguir a tua coluna do Juquita.Um grande abraço a vocês. Marison

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